quinta-feira, 13 de maio de 2010

Vasta Simpatia



Até foi bom que o vento se impusesse na noite de hoje, como se a Primavera nunca tivesse chegado e o aquecimento global fosse uma mentira. Aqueles que se juntaram no Lux, discoteca normalmente libidinosa e hoje convertida em santuário intimista, viram-se acalentados por uma das mais belas vozes que já foi dada a conhecer ao mundo, mesmo que o mundo parcamente a conheça. Vashti Bunyan, toda ela amabilidade, de thank you! em thank you!, embalou os presentes com a sua folk de embalar corações, meditações sobre rigorosos invernos, meteorológicos e amorosos. Até foi bom que o vento se impusesse na noite de hoje como se soubesse que canções assim só podem ser apreciadas em ambiente frio.

Coube a honra de abrir o concerto (já de si mítico, só pelo nome) à coqueluche do indie nacional, o inimitável B Fachada. E é importante frisar isto: o rapaz merece todos os elogios e mais alguns. Acompanhado no contrabaixo por Martim Torres, arrancou por inúmeras vezes gargalhadas ao público interpretando temas como Tempo Para Cantar ou a fabulosa Kit De Prestidigitação, canções folque (aqui tem de ser diferente, pá) que pululam num território vagamente americano mas travestido de Trás-Os-Montes. Mais importante ainda, todo o ar de cabrão pretensioso que parece saltar vezes sem conta das suas relações com a imprensa se desvanece quando nos apercebemos que este tipo é, afinal, o maior troll de sempre; uma espécie de Ludgero Clodoaldo mas muito mais culto e com imensamente mais piada.

Já tinha dito que a mulher é um poço de simpatia? Senão vejamos; agradeceu no final de todos os aplausos, pediu desculpa por se atrasar (problemas com nuvens de cinza), falou nostalgicamente da sua viagem pela Grã-Bretanha com um namorado e uma carroça, dissertou sobre a relação com os filhos. E para completar, canções curtinhas (não precisam de mais tempo), simples, ora sobre as nossas dúvidas existenciais juvenis, ora sobre desgostos, ora sobre tempos invernosos sublinhando a ausência. E uma voz arrebatadora, meu Deus, que partiste para tuas hosanas em Fátima quando podias ter visto um anjo a cantar aqui. Quarenta anos depois, límpida como a água. Provada fica também a estupidez de quem lhe coloca a epígrafe de madrinha da freak folk; não estamos na presença de nenhuma hippie mal-cheirosa e a tripar com ácidos - mas de uma rapariguinha do campo que canta com um misto de tristeza e jovialidade que só nós, língua portuguesa, podemos exprimir: chama-se saudade. Obrigado? Não, obrigada nós!

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