segunda-feira, 17 de maio de 2010

A Ressurreição Não Passará Na Televisão



Gil Scott-Heron esteve prestes a morrer; hoje, ultrapassados os anos de dependência de droga, de casos de polícia e de fraca inspiração artística, surge como um homem novo. I'm New Here conta em 28 minutos o que Scott-Heron quis dizer em dezasseis e não pôde - elegias à família e às origens, tributos aos Blues que tanto o inspiraram (Bluesologist, apresenta-se ele), exercícios de auto-crítica. Regressa aos discos com uma nova maturidade (ou jovialidade) própria de quem, aos sessenta anos, venceu as batalhas que a vida nos prepara, contra si, contra os outros, contra o tempo, mas sempre com o mesmo estilo pungente que lhe é tão característico e que lhe vale os epítetos de avô do rap.

Não foi, no entanto, sobre I'm New Here que se baseou para o espectáculo de hoje na Aula Magna (e anteontem, na Casa da Música), representando, ao invés, uma espécie de best of da sua carreira, misturada com um enorme sentido de humor (a spoken word substituída pela stand-up comedy). Mostrou-se surpreendido por o terem dado como "desaparecido", e, como que a provar o contrário, começa com Blue Collar, retrato de quem se sabe perdido mas não desiste de se encontrar (Seems like they kick me when I'm down/Get on up, get on up). Avança por Winter In America sem soçobrar, e, no que toca ao sampling, agradece agora de certo modo a quem lhe foi buscar inspiração, casos de Kanye West e/ou Common. Conta piadas ordinárias sobre a origem da palavra «jazz» antes de Is That Jazz?. Mais que música, tudo é poesia nas suas palavras - e o contrário também se aplica.

Muito bem acompanhado pela sua banda (que a espaços também foi tendo direito aos seus momentos de glória), terminou com uma fantástica The Bottle, até chegarem os encores; primeiro com Three Miles Down, em que o público aderiu aos seus incitamentos para "cantar", e de seguida, abruptamente (pois as luzes e a música de fundo tinham regressado, e meia sala estava à porta de saída), com Better Days Ahead, a despedida que faltava. Faltou a fabulosa Home Is Where The Hatred Is, mas não será por aí que se poderá dar o serão como perdido; afinal de contas, após uma semana tão católica, pudemos assistir a uma reencarnação ao vivo. As revoluções passam, as canções ficam.

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