quinta-feira, 29 de abril de 2010

Luxúria Holocausto Canibal



Todos temos a nossa banda de adolescência, a que mais nos acompanhou nos desgostos, nas alegrias, nas zangas, nas discussões pretensiosas sobre a vida. Para o meu blogmate foram e são os RAtM, para a minha geração foram os SoaD, para mim foram os Mão Morta. E o que me fascinava, para além das letras que citava ad nauseam na tentativa de fazer muitas amigas que me achavam extremamente culto molharem as calcinhas, era a forma como saltavam cada estilo, incursões e experiências pela pop ou pelo jazz ou pelo metal ou pela música industrial mas sempre com o bendito cariz rock como ponto de partida. Não é de estranhar hoje que eu seja uma puta musical: a minha banda favorita é precisamente isso.

O novo álbum mostra uma banda (ainda) mais segura de si; não mostram medo de fazer grandes malhas pop (Novelos De Paixão), chachadas góticas (Como Um Vampiro) e canções de culto instantâneo (Tiago Capitão), como se tudo o que fizeram nestes últimos 25 anos de carreira acabasse em disco. Pegando nas palavras do sábio John Peel quando se referiu aos Fall, são sempre diferentes, são sempre os mesmos. O Canibal, esse, continua a atacar o palco, desfaz-se em taquicardias, diverte-se com o público, arrasta a voz de canção em canção, de catarse em catarse, de pesadelo em pesadelo de peluche.

A julgar pelos espaços vazios julgar-se-ia que o Coliseu é um espaço demasiado grande para os Mão Morta - esquecemo-nos que a genialidade dos mesmos ocupa meia casa. O resto é tomado pelos fãs de todos os quadrantes, que comprovaram ao longo de hora e meia que a força de temas como Oub'Lá, Anarquista Duval e 1º De Novembro mantém-se a mesma, resiste ao enferrujar que o tempo nos impinge. Houve suor, houve abraços, houve pulos, houve headbanging e houve drogados que duraram quatro canções nas filas da frente. Tudo isto é ainda assim demasiado brando; o que eu não dava para ter estado no cortar da perna ou na destruição do teatro de Braga. Mas por tudo aquilo que ainda se vê, é longo q.b. o futuro da banda. Vamos em frente, olho por olho, dente por dente, ó Capitão!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Um post especial e nada homoerótico

Um dos donos deste blog faz anos. Vamos lá puxar das playlists especiais, sim?

1. Antony And The Johnsons - For Today I Am A Boy
2. Dead Kennedys - Too Drunk To Fuck
3. Pizzicato Five - Party
4. Blondie - Die Young, Stay Pretty
5. The Vicious Five - About Teennihilism
6. Arctic Monkeys - Fluorescent Adolescent
7. Flipper - In Life, My Friends
8. The Flaming Lips - When Yer 22
9. The Smiths - Accept Yourself
10. Streetlight Manifesto - Here's To Life
11. The 13th Floor Elevators - You Don't Know (How Young You Are)
12. Sufjan Stevens - Happy Birthday

Faixa de bónus: Cut Copy - Lights & Music (Boyz Noise Happy Birthday Remix)

Para ouvir a 28: Morrissey - It's Not Your Birthday Anymore

Para o lulz: Anal Cunt - You're Old (Fuck You)

Pelo cliché: LCD Soundsystem - All My Friends

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Youth Against Fascism



O movimento de bilheteira no meu emprego espectacular não o fazia prever, mas a verdade é que os Sonic Youth encheram o Coliseu. E não só de público, mas de guitarras (ao longo do concerto utilizaram umas vinte), monstros de onde brotavam ora o riff mais violento ora o mais tranquilo, numa atmosfera constante de final de sonho, seja porque o punk morreu, seja porque os anos 90 se perderam para sempre e o alternativo deu lugar ao indie; uma despedida, então, feita à base de suor e flanela.

Os Gala Drop saíram como injustiçados da noite. Depois de terem sido uma das poucas pérolas de um atípico 2008, chegavam ao Coliseu depois de terem reeditado o álbum de estreia em vinil como convidados especiais dos SY themselves (e o casalito Moore/Gordon até esteve a assistir no palco às primeiras duas músicas). Partem do psicadelismo, entram pelo kraut adentro e mergulham de cabeça na electrónica mais experimental, percussão (e gritos) tribais, linhas de baixo dubbásticas, quais paisagens uterinas onde se movimentam brincando, à espera de uma luz. A luz não veio: foi-se. Com o set cortado a meio devido a uma falha eléctrica, justo quando o público que maioritariamente os desconhecia começava a aceitá-los, resta desejar-lhes maior sorte para o futuro (e a manter-se o nível de qualidade, virá). Porque merecem, e muito.

Roubaram Mark Ibold aos Pavement, e parece que se deram bem: o som dos veteranos da Big Apple ganha nova densidade, aquele baixo completa na perfeição as explosões de feedback e a dissonância das guitarras. E é falso chamar-lhes veteranos, pois continuam com a mesma energia e o mesmo look de sempre (Thurston Moore, em plena meia-idade, parece um puto). Ao contrário do que se pensava (ansiava) depois de ter sido conhecida na net a setlist do concerto em Barcelona, focaram-se essencialmente em The Eternal, álbum de 2009 que marca o regresso a uma editora independente. Destaques para uma militar Anti-Orgasm, Poison Arrow e Leaky Lifeboat, que se creio ter ouvido bem entre os pulos e os gritos foi dedicada a todos os poetas portugueses. Não significa que não tenham passado pelos ouvidos do público (tão diversificado, tão bonito ver velhos de 20 anos agarrados a jovens de 40) clássicos como Schizophrenia ou The Sprawl. Mas o melhor estava reservado para o duplo encore: primeiro com 'Cross The Breeze (a fúria daquelas guitarras, meu deus) e finalmente com Death Valley '69, final apoteótico para um concerto apoteótico, erótico, psicótico em partes iguais. O punk não morreu, limitou-se a crescer. Existe agora não uma nostalgia pelo passado, mas uma alegria quase paternal por aquilo em que se tornou, e uma ansiedade enorme por ver aquilo em que se irá tornar. Aguardemos, então.

P.S. Corre o rumor de que o incidente com os Gala Drop foi propositado. Se assim se confirmar, é vergonhoso e há que partir as trombas à organização. É que não se faz, foda-se.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nerdy is Cool




Melhor coisa a sair de França desde os malditos croissants com chocolate (desculpem Justice, mas as verdades são para ser ditas, mesmo que vindas de prostitutas musicais), os Daft Punk foram para muitos a primeira ponte para música electrónica, de dança, chamem-lhe o que quiserem. Munidos de um funky feeling de apelo global, que parece ser característica dos conjuntos franceses [Deve ser da comida. Ou das raparigas devassas. De certeza.], foram conquistando o mainstream, com um som que tanto cheira a fins de tarde na solarenga Riviera, como ao betão e cimento dos "feios, sujos e maus" subúrbios parisienses. Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter são apologistas da conquista do mundo pela música e não pelo look ou pela presença incessante nos meios de comunicação (we’re looking at you, pop divas). Não lhes interessa ser estrelas. Só querem ser artistes. Money and Ho’s não é bem a cena deles.

Importante para esta conquista do mainstream está a excelente utilização da arte do videoclip. Seja a série de vídeos baseados num anime ou o vídeo realizado por Michel Gondry onde as mais variadas coreografias dão vida ao ritmo, os videoclips ajudaram a cimentar uma posição de culto dos dois DJ’s.

Os homens de capacete tornaram-se assim figuras incontornáveis do mundo da música, faces (ou máscaras?) do french house, saltando o apelo do género e tornando-se num dos mais interessantes conjuntos musicais do mundo. Discovery ou Human After All são discos que no proximo século continuarão a ser referidos. Around the World, Digital Love ou Harder, Better, Faster, Stronger são daquelas músicas que daqui a uns anos não vou ter vergonha de admitir que fiquei viciado à primeira audição. E isso é raro (normalmente é merda, e da grossa). Eles são aquela miúda nerd que está no meio do dancefloor. Todos sabemos que é nerd, até ela mesma, mas ali, no meio de tudo e todos, a dançar, torna-se larger than life, um ser intocável e de sex appeal herculeano. E isso é cool, mas tão cool. É isso que os descreve: coolness em estado nerd.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Sistemático



Isto já foi dito inúmeras vezes: a internet veio acabar com o monopólio da música. Disseminou-a. Não existe um artista que fale pela geração inteira, como os Beatles ou os Nirvana (há quem diga que a Lady Gaga anda lá perto, mas foda-se). E de toda a parte ouvem-se vozes contra, nas revistas de ocasião lê-se que esta década foi miserável, hipsters dos quatro cantos pululam de cena em cena à procura da nova coisa fixe.

Mas desde quando é que isto é uma coisa má?

Hoje temos acesso às bandas de psych-rock mais recônditas do Cambodja. O nosso vizinho de cima tornou-se uma sensação no youtube. O vinil voltou à vida, qual zombie. Para quem gosta ou diz gostar de música, não devia haver nada mais do que a excitação, a alegria de novas descobertas. Uma era em que a palavra "alternativa" quer dizer realmente alguma coisa e não apenas caracterizar os Sonic Youth. E, neste critério de que tudo existe e está aqui ao nosso lado, há que dar mérito às bandas que superam expectativas. A par dos Arcade Fire, os LCD Soundsystem são talvez a banda que mais marcou a década e definiu a nova tendência electrónica: a nostalgia pelo disco-sound e pelo funk, a certeza de que o rock não dista tanto do techno como se possa pensar.

O novo álbum é também o último. Poder-se-à falar do fim de um ciclo? Podemos dizer que nada será como dantes, visto que "nada é como dantes" desde que o Napster fechou portas? Só o futuro e a Pitchfork o saberão. Para já, há que ouvir a despedida solene de You Wanted A Hit, a contagiante Pow Pow e o manifesto punk o plágio descarado de Drunk Girls a White Light/White Heat. Eu por mim agradeço ao Sr. James Murphy por tudo o que ele trouxe. Sem qualquer tipo de mágoa. Porque uma banda não se faz grande dos discos que vende ou dos fãs que tem, mas das memórias que acarreta. Also, estou bêbado e deviam ignorar esta última frase lamechas. O álbum tá do caralho. E só.

domingo, 11 de abril de 2010

Let's Go Triple



A Casa da Música faz cinco anos. Tem representado um papel importante na vida cultural do Porto (e do país): inúmeros concertos de artistas (recém) firmados, exposições, diálogos. Há que saudar a sua ainda parca longevidade. Há que criticar o aspecto; o edifício é feio p'ra caralho. Mas pronto, é muy vanguarda e pós-moderno e todas essas expressões de estudantes de arquitectura pretensiosos. Não é apenas um calhau em cima de uma ribanceira. É uma ideia. Uma má ideia, mas uma ideia nonetheless.

É sintomático que os dois principais concertos de ontem tenham sido realizados na cidade que deu ao mundo o vinho que quanto mais envelhece, melhor. É o que se pode dizer tanto de Dick Dale como dos Sonics: a garra, a energia, os gritos histéricos rock n' roll continuam lá. E mesmo com um ou outro problema de som menos grave, pôde-se sair de lá com a confiança de que quem não foi, vai arrepender-se de não ter ido. O mais provável é que não surja outra oportunidade tão cedo.

Fale-se então de Dick Dale. Já toda a gente sabe da história do Pulp Fiction, por isso não vamos por aí. Pioneiro do som surf, inspiração dos Beach Boys, reinventou a Fender. Nada disto interessa a quem não escreve na Wikipedia. Qualquer pessoa que tenha lá estado (e para o ver, eram mesmo muitos - em Sonics morreu um pouco) para ver o primeiro riff ter-se-à apercebido de imediato: estava ali uma lenda viva, um Deus, um ser inatingível com dedos mágicos. Nenhuma destas descrições é exagero. O homem mal precisava tocar na guitarra; parecia ter vida própria. Muito barulho, muita classe, muita interacção com o público e com a banda (OMFG ELE TOCOU O BAIXO DO OUTRO TIPO COM BAQUETAS QUE AWESOME), tocou clássicos, tocou versões, tocou a Misirlou. Avôzinho, volta mais vezes enquanto puderes.

Seguiram-se os Sonics, senhores em plena crise de meia idade. Vi no baixista, gordo e atarracado, o meu próprio futuro. Pelo menos no que concerne à forma física. Foram quem mais problemas teve com o som - mal se ouviu o saxofone, e o teclado só ia aparecendo a espaços - mas não impediu que dessem no geral um bom concerto. Tocaram uma muito aclamada pelo público (que pareceu ter lá ido só para a ouvir) Strychnine, mas há que registar também Psycho, as versões de Dirty Robber, Have Love Will Travel, e ainda uma de Louie Louie que pôs toda a gente na sala a pular. Foram umas doze ou quinze canções, mas passou tão depressa que ficou a saber a pouco. Paciência.

Fora do contexto rock n' roll da noite, estiveram os YACHT. Não sabia o que esperar, pois não os conhecia - só sabia terem lançado um álbum pela DFA, por isso devia ser bom. Devia. Um pouco chatinho ao início, melhorou bastante para o final, quando aumentaram a força dos beats e começaram a ir buscar mais à New Wave. O vocalista tenta parecer-se demasiado com o Pelle Almqvist, a vocalista parece-se demasiado com as cópias rascas da Blondie e da Annie Lennox que povoam o mundo indie-dance de hoje. Tocaram uns quarenta minutos: muito pouco para os que tinham dado 7,5€ para os ver só a eles. Eu pelo menos tinha ficado fodido, mas a população hipster parece ter gostado imenso. Enfim.

Grande concerto o de Dale, bom o de Sonics, mediano o de YACHT. Público morno nos concertos rock (sacrilégio!), muita adolescente betinha a pular no outro. Comprei o disco de Orelha Negra em vinil. Andei no metro comboio do Porto. Dormi nos bancos de jardim de um parque na Boavista. Resumindo: tragam essa merda cá para baixo, pá. Ou não tragam: tirava o espírito da coisa.