sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Tiago Silvestre - Pela Estrada Fora

 



De toda a merda que a Flor Caveira e semelhantes despejaram sobre o mundo (e foi muita, ainda que algumas coisas de lá saídas tenham despertado algum interesse), nenhuma fede tão miseravelmente quanto a ideia de que qualquer gajo pode vir a ser um músico com boa imprensa desde que cante em português e tenha as referências certas: os beats, o Bukowski, o B Fachada. Tiago Silvestre tem duas dessas referências. A outra ficou de fora, porque quem nasceu para fancaria nunca chegará a ser fachada.

Regra geral nem me daria ao trabalho de ouvir um disco que me chegasse à caixa de entrada do Gmail, com um título sacado ao Jack Kerouac - sendo que "Pela Estrada Fora" é o romance de eleição de todos os tipos com a mania que são livres e inteligentes quando não passam de alcoólicos agrobetos -, mas dei uma oportunidade a este porque calculei que fosse uma merda do caralho e, nesse sentido, não posso dizer que tenha ficado desiludido. Um dos meus cocktails musicais de eleição mistura masoquismo, schadenfreude e um sentimento de vergonha alheia. Porque esse tipo de álbuns me faz sempre rir, numa onda de como é que este gajo teve a coragem de fazer isto?

Glória eterna a Tiago Silvestre, então, por ter tido um valente par de tomates em tempos de estrogénio. "Pela Estrada Fora" não é só o pior disco que provavelmente ouviremos este ano (as melodias básicas, a voz do próprio - como se estivesse não a cantar, mas a ler, com entoações diferentes, de um qualquer teleponto), como contém provavelmente o pior verso que alguém irá escrever na língua de Camões durante muito, muito tempo: «os teus lábios aquecem como vodka neste inverno gelado», retirado a 'Baby Doll'. E atenção que eu tenho visto os directos do Bruno Nogueira. Sei bem o que são maus versos.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

We Bless This Mess - Enlightened Fool

 

Quando ouço falar em "rock português" pego logo na pistola, quer esse "rock português" se refira à mediocridade que é ter o Rui Veloso ou os Xutos & Pontapés como o seu estandarte, aos pseudo-bardos lisboetas que competem entre si para ver quem utiliza a palavra menos óbvia e mais esdrúxula, ou aos expatriados que não resistem a acrescentar um sotaque ao seu oh-tão-maravilhoso-inglês. 

Bem, se calhar o que odeio mesmo é o rock, ou os portugueses. Só me falta é a pistola.

We Bless This Mess é um projecto de um expatriado, que achou por bem acrescentar uma mensagem de agradecimento ao(s) ouvinte(s), em bom inglês com sotaque tuga: «obrigado por existirem», diz ele. Obrigado é o caralho, que eu não pedi nada, e quanto mais depressa me tirarem daqui melhor - que eu sou demasiado cobarde para me suicidar.

"Enlightened Fool" é, para We Bless This Mess - em formato banda; creio que o vi a solo no Lounge quando ainda podíamos sair de casa, mas honestamente não me lembro; a abrir para Emperor X? -, uma "celebração de estarmos vivos", pelo que o título do disco faz absoluto sentido: só um pateta poderia celebrar essa merda. E, no entanto, há ali qualquer coisa escondida no emo-punk épico de pendor americano. 

Até eu, que nunca fui punk tirando nas ideias, consigo esboçar algo semelhante a um sorriso a ouvir os coros de 'Find.Unfold.Accept', e uma certa vontade em continuar nesta enorme demanda que é chegar a tempo da reforma e de insultar tudo e qualquer coisa que os jovens de então façam. Até tive de ouvir o disco duas vezes, algo expressamente proibido a um crítico de música, para o confirmar: isto é verdadeiramente decente ou, pelo menos, melhor que qualquer coisa que os tugas do eixo indie-Arroios andam a defecar há largos anos. Metam We Bless This Mess no palco de Coura (se alguma vez isso puder voltar a acontecer) e vejam a coisa a rebentar.

Jute Gyte - Diapason

 

Toda a gente sabe que o drone e o black metal andam de mãos dadas. Num minuto estás a gritar bem alto por Satanás e a gastar rios de dinheiro em material da Kiko Milano, no outro queres alinhar os teus chakras e abrir um restaurante vegan para misantropos com +3.5 dioptrias e barba pálida do vaping.

Jute Gyte, nome com o qual Adam Kalmbach assina a sua música, é um desses casos. À semelhança de tantos outros artistas dentro do black metal (e a culpa deve ser do Varg, que tem as costas largas e nunca escondeu curtir technão), Kalmbach tem a música electrónica como influência, havendo quem o compare a Aphex Twin em determinados discos que não ouvi, porque só tive paciência para o "Perdurance" e mesmo esse é uma salganhada inaudível até para quem ama noise.

Seja como for, um tipo que lança um ou dois discos por ano vai acabar por se tornar chato a dada altura - razão pela qual os King Gizzard não são assim tão bons e vocês são todos uns idiotas, e razão pela qual não há mesmo forma de defender "Diapason", que é o registo que me levou a ter vontade de escrever estas linhas. A não ser que queiram sentir a vossa sanidade mental a definhar ao longo de duas horas e meia, mantenham-se longe deste disco. Já vou no minuto 47 de um tom monótono e nunca senti tanta vontade de estoirar os miolos, nem quando me espalhei ao comprido na SportZone do Vasco da Gama, nem quando o João Félix espetou dois no Dragão. Esta música não é para duros, é mesmo para surdos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Grimes - Miss Anthropocene (Rave Edition)

Quase um ano após editar "Miss Anthropocene", a nossa traidora de classe favorita volta à carga com... uma versão "rave" desse mesmo álbum. "Rave", entre aspas, que muito provavelmente Grimes nunca foi, como toda a gente nascida pós-1991, a uma rave à séria (drogas, loucura, morte). 

Se é verdade que a coisa até começa bem - cortesia de ANNA e Richie Hawtin - o resto soçobra perante a falta de inventividade presente em cada uma das remisturas. Mas a culpa é minha, que estava à espera que um disco de remixes fosse bom. É que há duas formas de fazer a coisa: ou se mantêm fiéis ao registo original, acrescentando-lhe apenas uma tarola aqui e um bombo ali (e toda a gente fica feliz porque toda a gente ganha royalties), ou adoptam a táctica Aphex Twin, cagam no som de base, e (des?)constroem uma canção do zero (e toda a gente fica feliz porque toda a gente ganha royalties, mas ao menos passam por ÍNTEGROS). 

A culpa é d@s tip@s que assinam as remisturas, claro, mas também é da própria Grimes, que nunca na vida deveria ter dado o ok ao lançamento de um álbum "rave" numa altura em que até aquilo que hoje em dia passa por "rave" (espaços controlados, patrocínios de grandes marcas, os mesmos DJs a tocarem os mesmos BPMs) está parado porque, bem, há um vírus chato à solta. Talvez depois da vacina isto soasse menos aborrecido. Talvez Julian Bracht tivesse conseguido não assassinar a melhor malha de "Miss Anthropocene". Talvez os Modeselektor tivessem feito algo que não perturbasse o seu vasto legado de qualidade. Mas parece que nunca o saberemos.