domingo, 16 de maio de 2010

Gulags e Elefantes



Acontece durante os primeiros segundos de Gulag Orkestar. Deixamos de ter os olhos na estrada e formam-se na nossa cabeça imagens de uns Balcãs distantes e divididos, desfile de culturas de pátrias várias, unidos pela península comum e pela vontade de sarar feridas recentes (não obstante o facto de as exibirem orgulhosamente como um troféu). O que Zach Condon faz com a sua orquestra não é um mero disco pop, mas um elogio a toda uma nação, sob uma estética quase que Pessoana: o coração sente saudades da terra onde nunca esteve.

Passamos por Brandenburg, por aquele ukulele fantástico, por aquele desejo-traço-lamento: send me now, the winter's over. A banda cresce e a viagem ganha forma, percorremos as vielas de um leste imaginário à procura da vida, ou do amor, ou da violência, ou de um mero copo onde esquecer todos três. O alcatrão corre como o Reno. E, subitamente, deixamos de poder esquecer, não a desilusão, mas o fim da ilusão: I won't have you anymore, I can't... até estarmos sozinhos e a contemplar os nossos próprios falhanços num país desconhecido.

Reencontramo-nos na Itália, onde é difícil entristecer - a nostalgia não nos parece algo triste. Porém, a memória dela teima em não se afastar. No meio das deambulações, damos connosco a não acreditar em Deus mas a fazer pedidos a estrelas cadentes - e um estranho sorriso toma-nos conta da cara. Perdidos, destroçados, humilhados, vemos algum conforto na nação que nos acolheu, mas não chega (but there's nowhere to go...). A vontade é a de submergir, é a da palavra maldita que é o suicídio. Watch now, all will end/now I'm under a tide. After The Curtain, que é como quem diz, depois da morte, há ainda uma escolha a fazer, no meio dos aplausos de quem connosco conviveu: que merecemos nós?

Merecemos, claro está, fugir ao Gulag; Elephant Gun faz-nos levantar do chão em busca de uma nova identidade, ou coragem, ou até mesmo de uma alma nova. All that is left is all that I hide. Terminado o exercício de auto-avaliação, um pouco de humor na versão (uma das melhores de sempre) de Le Moribond e de apoteose em My Family's Role In The World Revolution: impossível manter os braços em baixo. A vida é isto: sentir tudo de uma vez. Um grande álbum, uma grande banda é isto: fazer-nos sentir tudo de uma vez.

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