segunda-feira, 13 de setembro de 2010

M.T.V. - Get Off The Air



Como devem ou não saber, a música pop é uma merda. A culpa é, obviamente, nossa. Nossa, Portugueses, não nossa, consumidores. E agora vocês perguntam: "lol dude arranja dessa merda que fumaste". E eu arranjo na boa, peçam-me no Facebook. E depois de estarem completamente desviados, perguntam: "mas afinal como é que nós, Portugueses, temos a culpa da música pop ser uma merda, se o David Fonseca só tem uns 15 anos de carreira?". E é aí que eu explico e vos garanto que a vossa mente vai explodir.

Ponto no. 1: o Justin Bieber é uma merda. Facto. As meninas de três anos gostam, ergo, é merda. E quem gerou o Justin Bieber? As grandes empresas capitalistas que decidiram apostar no mercado da música para teenagers. Porque, e não neguem, o nosso gosto musical mais ou menos até aos doze anos é uma merda. Culpa nossa? Não: culpa dos nossos pais, que nos compravam os CDs de Limp Bizkit e artistas af(em)in(ado)s para que pudéssemos ter o que eles não tiveram: algo para além da Amália. Esta forma de pensar é culpa dos psicólogos, mas não abordemos esse lado. Dizia então que o Justin Bieber é uma merda. Quem gerou o Justin Bieber?

Em todos os pontos da história da pop moderna existiram grupos de rapazes bonitos que geraram bandas multimilionárias. Os pontos de contacto mais recente com o atrasado do canadiano são, obviamente, os Backstreet Boys e os Take That - que são quiçá os nomes mais out-of-the-closet de sempre; vá lá, rapazes da rua de trás? Até o Carlos Cruz se riu. E depois meteu mais um recurso. Mas, e a geração de hoje que é a minha não se lembra, antes desses dois existiram os New Kids On The Block. Que, por alguma razão inexplicável e validatória do ponto de vista de que Deus não existe, decidiram reunir-se e voltar a dar concertos. E o mundo facepalmou.

Recuemos ainda mais. Lembram-se dos Menudo? Não, não a nova geração daquele programa da MTV que eu nunca vi, juro. Os dos anos 70/80, que tiveram nas suas fileiras a mais recente contratação do movimento LGBT, o Ricky Martin (bem, não é grande contratação quando toda a gente já tinha a ideia do clube em que ele jogava). Os Menudo eram uma banda fabulástica de Porto Rico que agradava bastante às meninas de então. Só que estes chicos não seriam nada se não fosse a influência daquela que é provavelmente a última boys band (ou banda de rapazes, se quisermos entrar em FlorCaveirismos) que fez, de facto, canções de jeito. Vocês conhecem-nos. Viram o Shrek. Certo que na voz dos saudosos Smash Mouth, mas conhecem:

Os Monkees. Os Monkees eram fantásticos. Os Monkees eram do punk: mesmo sendo um offshoot da indústria, odiavam a indústria. Os Sex Pistols fizeram uma cover de uma canção deles. Têm cred. Foram, repetindo-me, a última banda de rapazes a ter cred. Nasceram em 1965, como resposta aos... querem adivinhar? Por esta altura já devem estar a pensar onde é que eu vou parar com estes argumentos, mas garanto-vos que não se vão arrepender. Acho eu. Se se arrependerem podem dar-me porrada. Ou parar agora e ir ler um livro, fazer alguma coisa de produtivo.

Ainda comigo? Óptimo. Como eu dizia, os Monkees foram a resposta à maior, melhor, mais popular das bandas: os Beatles themselves. Os Beatles eram (e são) um bocado como o Benfica: conquistaram muitos fãs nos anos 60, mas a partir daí o mundo acordou e descobriu coisas melhores, e agora só permanecem com o estatuto "melhor cena de sempre" na cabeça de gente velha e aborrecida. Não que eu deixe de fritar completamente com a I Am The Walrus ou a Tomorrow Never Knows. Mas antes de darem na droga (abençoada), os Beatles só existiam para molhar cuequinhas adolescentes. Moda que teve precursor em quem?

Rei do rock, ou aborto gordo em cima de um palco: Elvis Presley tem duas personas distintas. Aquela que interessa para o caso chocou os E.U.A. puritanos dos fifties quando surgiu a abanar a anca e a cantar música negra, a única que interessava. And lo, panties were soiled. Aos 20 anos, era bonito, tinha boa voz, e mexia-se como um doido. Centremo-nos na música: o rock n' roll começava a dar os primeiros passos, Chuck Berry e Little Richard criavam canções intemporais e os blues antigos eram já uma miragem; o dia em que o homem branco começou a cantar música negra foi a morte da música.

E de onde vieram os blues? Da América segregada onde os linchamentos do KKK eram coisa corrente, porque afinal de coisas, não se pode deixar que esses pretos de merda toquem nas nossas filhas, amirite? Livres da escravatura, mas sem condições sociais, expurgavam as agruras da vida em guitarras. Robert Johnson, por ser o nome mais associado ao rock, é o mais falado hoje, mas não devemos negar, nunca, a beleza das vozes femininas: Bessie Smith, Sister Rosetta Tharpe, Ma Rainey. Para além de, claro está, Bo Diddley (que é Jesus), Blind Willie Johnson, Son House.

Resumindo então: os blues só existiram porque existiu segregação, e a segregação só existiu porque existiu escravatura. E de onde vieram os escravos? Maioritariamente de África, claro está, porque os nativos eram fortes, trabalhavam bem, e as mulheres negras tinham bundões maiores para os branquelas ricos se divertirem e fazerem bastardozinhos. A exploração do continente, que hoje mudou das mãos ocidentais para as dos chineses, durou (e dura há) séculos. E, terminando o longo raciocínio, devemos essa exploração, e as inúmeras descobertas que a precederam, a quem?



Exacto: a este filho da puta. Tudo bem que tinhas um sonho, Henrique. Que o mar é belo, que a Mensagem que influenciaste é o melhor poema de sempre, que fomos um país a sério durante uns tempos, mas diz-me, Henrique, alguma vez paraste para pensar nas consequências? Claro que não, Henrique, não pensaste. No teu tempo quem quisesse ser famoso tocava alaúde. Nunca te passou pela cabeça que à tua pala milhares de negros fossem tratados abaixo de animal e que estes se vingassem inventando música apelativa, pois não, Henrique?

Era quem te tivesse fodido a tromba e dado de comer a um espanhol. Foda-se.

Terminada a lição de história, uma nota de esperança: nem tudo o que há na MTV é simplesmente mau. Há coisas péssimas. Mas, graças ao poder mágico da internet, até um bolo de merda pode ser transformado num diamante. Esta notícia tem umas semanas, mas há que continuar a realçar: U Smile, Justin Bieber a velocidade oito vezes reduzida, é a melhor malha do ano. É tão boa que ao ouvir todos os 35 minutos deste épico nos esquecemos de que a escravatura existiu. É tão bom que Brian Eno e os Sigur Rós já pediram indicações ao rapazito. É tão bom que, epá, sei lá, milhões de corações. Escutai. Senti. E ao terminar, olhem para cima e contemplem a face de Deus. A não ser que o vizinho de cima esteja na hora do cigarro. É sempre chato quando isso acontece.

Tanta merda só para vos mostrar esta tanga, hein? Nunca mais me leiam.

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