quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Dores de dentes



Nos dias que antecederam o concerto dos Faust, quem andou nas bocas de quem aguardava impacientemente pela noite de hoje foi Julian Cope. Por ter dito, no ido Krautrocksampler, de 1995, que "não havia grupo mais mítico que os Faust". Absolutamente normal, então, que quiséssemos confirmar esse testemunho.

Comecemos por dizer que os Faust não são uma banda. São uma sociedade. Uma sociedade caótica, despojada da sua civilização, onde estranhos seres despejam bílis fermentada em forma ténue de canção pop/rock. Antes de entrarmos por caminhos etimológicos de almas vendidas a Satã, convém dizer que "Faust" é alemão para "punho". Esse mesmo reproduzido na sua forma mais crua, óssea, em vários discos dos alemães. Esse mesmo, que à primeira visão do palco onde baterias à base de bidões nos atinge no rosto de uma forma que não esperaríamos, não enquanto não houvesse um som no ar.

A introdução é feita na voz de Tiago Gomes, um apelo à "urgência pela liberdade", um assegurar de que o público estaria autorizado a tudo, fosse "tudo" filmar, fotografar ou dançar, e um convite para uma salutar convivência com os membros da banda posterior ao concerto, antes de enveredar por uma história qualquer sobre mulheres em restaurantes, que não interessa para nada: todos os olhos já estavam postos naquele estranho casal de gigante e anão que se entretinham cada qual na sua bateria a marcar o ritmo. Prontamente entramos no mundo dos Faust, essa monstruosidade tribal e eléctrica, olhos no primitivo e no moderno.

Se durante os primeiros temas parecia mal ficar sentado perante a avalanche rock n' roll, a introdução de um momento spoken word com acompanhamento de pintura fê-lo esquecer por uns momentos - e chegou a arrepiar. O medo perdeu-se em J'ai Mal Aux Dents, que a meio se transformou em Shempal Buddha, virtude da anedota já várias vezes contada envolvendo um fã norte-americano.

Arriscamos dizer: se no mundo reinasse a anarquia, todas as bandas seriam como os Faust. E maravilhoso seria falar da música escondida numa betoneira, no cair de pedras sobre o palco ou nas faíscas que saltavam do metal. Mas também haveria espaço para as guitarras, e não existiriam problemas no PA - bem gritou James Johnston, mas play it fucking loud! foi algo que faltou. Mas não faltou nem um alegre membro do público a dançar nestas altercações psicadélico-industriais nem o autor da frase anterior; uma versão (se é que se pode apelidar de tal) de A Hard Rain's A-Gonna Fall com acompanhamento de berbequim serviu de entrada a Krautrock, a tal canção que definiu o género que definiu a canção, antes dos Faust saírem do palco e regressarem para o merecido e ansiado encore, terminando finalmente o concerto com a minimalista Mamie Is Blue. Que dizer, então, depois desta experiência? Nada. Aplaudir de pé, como o fizeram os muitos presentes no Maria Matos. Não será todos os dias, nem sequer anos, que teremos outra oportunidade destas.

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